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Manoel Simões Ricardo - inspetor da fábrica

Como fui para a SIMCA

         Na metade do ano de 1965, a situação de vendas da indústria automobilística brasileira não era das melhores, os pátios estavam com grandes estoques para a época e o mercado não apresentava sinais de reação.

 

         Na SIMCA (S/A Industrial de Motores, Caminhões e Automóveis – SIMCA DO BRASIL), a situação não era diferente e até mais grave, pois produzindo para um mercado com bom poder aquisitivo, o mesmo era de proprietários de automóveis que estavam servidos, sendo a compra de um carro novo uma opção de consumo não prioritária frente a outras necessidades. Esta circunstância obrigou uma posição agressiva e pioneira de parte da área comercial da empresa, pois a Rede de Revendedores (concessionários), não apresentava condições para a reação que se fazia necessária. Foi criado um departamento na “SIMCA” com o objetivo especifico de esvaziar os pátios, colocando em prática técnicas comerciais variadas, até então não utilizadas pela automobilística brasileira.

        

         Para o departamento recém criado, gerenciado por “GEORGES KLOPOTOWSKI”, um polonês que anteriormente trabalhara na “WILLYS OVERLAND DO BRASIL”, foram remanejados funcionários de outras áreas, como compras, segurança, administração etc. A complementação da equipe valeu-se do recrutamento de pessoal através de jornais (ESTADO DE SÃO PAULO, em particular), possibilitando a criação de equipe de grande porte. Em vista das dificuldades de acesso e deslocamento dos candidatos a São Bernardo do Campo, foi criado um posto de contato na Rua José Bonifácio (entre São Bento e Libero Badaró), na região central de São Paulo, o prédio era no lado par e abrangia um andar inteiro.

 

         Após este contato inicial, o desenvolvimento dos selecionados, juntamente com o pessoal remanejado das outras áreas, passou a se realizar no revendedor “AUTO MECÂNICA CHEVALIER LTDA.”, na Praça Almeida Júnior 84, no bairro da Liberdade, ponto central da cidade que dispunha de enorme salão ocioso, sobre o salão de exposição e vendas.

Dirigindo as equipes estava “ÁLVARO ARTICO”, um excelente profissional de marketing, que posteriormente foi para a Volkswagen na área de consórcios e para a VW Portugal.

 

         No segundo ou terceiro dia de treinamento, pessoalmente conclui que não acreditava na proposta de trabalho a realizar, principalmente quanto ao produto “SIMCA”, situação que coloquei claramente a “ÁLVARO ARTICO”, pedindo ao mesmo que me desligasse, objetivando evitar prejuízos para a “SIMCA” e para mim. Esta situação ocorreu no início do expediente, oportunidade em que fui dispensado do treinamento do dia e convocado a estar presente na reunião da tarde. Da reunião participavam entre cinqüenta e sessenta funcionários em treinamento, e após hora e meia de debates, o orientador “ÁLVARO ARTICO” colocou em pauta as seguintes questões, que deveriam ser respondidas, somente com o levantar de braço dos participantes:

 

- Quem NÃO acreditava na prospecção que estava sendo realizada?

 

         Considerando que sobre a pesquisa (prospecção) eu não tinha duvidas, não havia porque me manifestar, não houve também qualquer manifestação dos demais presentes.

 

- Quem NÃO acreditava no produto “SIMCA” e na montadora “SIMCA”?

 

         Uma vez que esse questionamento era exatamente o que eu havia colocado pela manhã, levantei o braço, o que provocou um frisson na reunião, que foi encerrada. Certo de que estava desligado, aguardei a retirada dos demais, quando recebi de “ÁLVARO ARTICO” os dados técnicos e de venda dos produtos concorrentes, Aero Willys, DKW Vemag e Volkswagen, e a incumbência de estudá-los por dois dias, quando haveria nova reunião com o mesmo para a decisão final.

 

         Dois dias depois voltamos ao assunto, oportunidade em que debatemos sobre os vários produtos em comparação com o “SIMCA”, e acabei comprando o conceito de que o “SIMCA”, embora tivesse problemas, também tinha qualidades.

 

         Acabei ficando na empresa, o que foi uma decisão muito feliz de minha parte, pois a “SIMCA” foi muito mais do que uma montadora de automóveis, foi uma montadora de profissionais para a indústria automobilística brasileira.

 

         Hoje essa fase é chamada de era romântica e realmente o era, principalmente pelo elevado nível do pessoal participante, dirigentes e subordinados, que davam tudo de si para que as atividades resultassem em sucesso. Havia muito coração em tudo que se fazia, e não como hoje que em muitas situações “Manca Cuore”, como diz o italiano.

 

 

Pesquisas e Demonstração [Prospecção] - (Continuação de “Como Fui para a Simca“)

         Conforme informado em “Como Fui para SIMCA”, para esvaziar o pátio, em 1965, foi criado um departamento, com remanejamento de pessoal interno, complementado com pessoal recrutado e contratado, que formou uma grande equipe.

 

         O trabalho deste pessoal da “SIMCA”, junto ao Revendedor, sua região e mercado, envolvia todas as atividades pré-venda, desde a pesquisa de clientes potenciais (prospecção) até a conclusão da venda, oportunidade em que a situação era passada ao revendedor. O trabalho tinha etapas muito interessantes, que incluíam pesquisa porta a porta, com entrevista de proprietários de automóveis, material que alimentou decisões posteriores na linha de produção. As entrevistas, em muitos casos, eram agendadas por telefone, com dia e hora marcados, antecipando em 38 anos o tele-marketing atual.

 

         Um número significativo das entrevistas resultava em demonstração do produto “SIMCA”. O que na época denominava-se demonstração era, na realidade, o que hoje se intitula “Test Drive”, e foi a primeira campanha de “Test Drive” colocada em prática por uma montadora no Brasil.

 

         O trabalho foi baseado em um estudo de comportamento humano desenvolvido pela “CITROEN” na França, e as instruções, contidas em manual com mais de cinqüenta páginas, foram editadas, numeradas e entregues (aos funcionários usuários) protocoladas, pois o roteiro e conteúdo eram e são válidos (até hoje) para qualquer automóvel, com as devidas adequações ao produto.

 

         A atividade obedecia seqüência técnica, baseada nos dados psicológicos do aludido estudo, levando o participante em um crescente de emoções, que culminava com o desejo de possuir o automóvel.

 

         O manual dava ênfase aos itens:

 

  •  Ignição Transistorizada, Motor V8 Tufão, Motor V8 Super Tufão, Radiador de Óleo, Freios Twinplex, Suspensão Dianteira Stabimatic (MacPherson).

 

         O percurso estava previsto para 30 km, em três etapas de 10 km cada.

 

         Primeira etapa, com o demonstrador dirigindo, ênfase aos itens:-

 

  • Versatilidade do motor.

  • Sincronização das marchas.

  • Leveza e precisão da direção.

  • Segurança e comodidade na freiagem.

  • Estabilidade e maciez da suspensão.

  • Visibilidade.

  • Insonorização e conforto.

 

         Segunda etapa, o cliente dirigindo:-

 

  • O cliente dirigia, e chegava a suas próprias conclusões com o mínimo de participação de demonstrador.

 

         Após o cliente dirigir, em um local tranqüilo e agradável, era feita uma apresentação estática do automóvel, em cinco fases, que abrangiam o veículo inteiro e davam ao interessado uma posição completa do produto, para uma decisão de compra consciente.

        

         Terceira etapa, com o demonstrador novamente dirigindo, e após haver consultado o cliente quanto ao interesse de conhecer o veículo em direção esportiva, era feita nova apresentação do produto, agora com maiores solicitações e ênfase aos itens:-

 

  • Velocidade.

  • Segurança.

  • Conforto.

 

         Houve também uma intensa campanha publicitária, convidando o público para demonstrações nos revendedores, onde era recebido pela equipe da “SIMCA”, conhecia os produtos e participava da demonstração.

 

Ao final da demonstração, o participante saia convicto de haver andado no melhor automóvel do mundo, o que em alguns detalhes era verdade. A  compra só não se realizaria por limitações econômicas. A partir deste momento, mesmo com a impossibilidade da compra, aquele cliente era um entusiasta e um defensor da marca.

 

 

A Batida na Alpargatas

         Um sábado à tarde, em Novembro de 1965, quando realizávamos demonstrações que partiam da “AUTO MECÂNICA CHEVALIER LTDA”, que era localizada na zona central e tinha percurso em direção ao bairro da Mooca, em São Paulo, observamos que alguns moradores da região da Mooca tentavam provocações de “rachas”, principalmente na Rua Frei Gaspar, que é a paralela esquerda a Radial Leste.

 

         Aparentemente tinham levantado nosso percurso, participando de uma demonstração regular. Não chegamos à conclusão se a situação era obra de um grupo independente ou se o fato tinha a participação da concorrência, pois o trabalho realizado estava mexendo com o mercado automobilístico da cidade.

 

         A Rua Frei Gaspar, em seu trecho inicial, era mão única no sentido do centro, e junto à Rua Almeida Lima tinha pavimentação de paralelepípedos, velhos e desgastados que, molhados, provocavam derrapagens perigosas. Na rua Almeida Lima, que também era pavimentada com paralelepípedos, bem em frente à Rua Frei Gaspar, ficava um dos portões da “São Paulo Alpargatas”, indústria de calçados populares, lonas e encerados. Era um portão imenso, todo em ferro, por onde passavam veículos de grande porte, caminhões e carretas, que estava fechado, pois, como dito, era sábado à tarde.

        

         Devido a algum vazamento na rede de águas, esta esquina estava sempre molhada, principalmente à direita, o que nos levava a ter o máximo de cuidado na conversão à esquerda para a Rua Almeida Lima pois, caso contrário, a derrapada, e conseqüente acidente, seria inevitável.

 

         Considerando que a situação estava desviando a atenção dos clientes para as demonstrações e, por consegüinte, para o produto Simca, que efetivamente era o objetivo primeiro do trabalho, fomos obrigados a colocar em prática estratégias para acabar com a ”farra do racha”, pois qualquer outro tipo de ação obviamente seria inútil.

 

         A Rua Frei Gaspar era o local ideal, pelo pouco trânsito, pela pouca circulação de pedestres, enfim pelos baixos riscos de conseqüências mais serias. Em três demonstrações seguidas, descemos a Rua Frei Gaspar na pista da esquerda, deixando que os “rachadores” nos ultrapassassem pela direita, já próximos da Rua Almeida Lima; proposital e planejadamente mantivemos velocidades reduzidas, levando os oponentes, que eram sempre grupos de três a cinco carros, a acreditar que tinham melhores condições de competição.

 

         Na quarta disputa seguida, aumentamos consideravelmente a velocidade, no que fomos acompanhados por três carros à direita. Já próximos da Rua Almeida Lima, os deixamos para traz e realizamos a conversão à esquerda, no limite de derrapagem no molhado que o Simca possibilitava, é importante ressaltar que o lado esquerdo da curva era mais seco e oferecia melhores condições de aderência.

 

         Dentre os três competidores, havia um Aero Willys 2600 preto, veículo cujas características de direção esportiva deixava muito a desejar, o qual não conseguiu efetuar a curva e foi de encontro ao portão, no que foi seguido pelo outros dois, com o que todos se amontoaram sobre a calçada, enquanto eu acompanhava tudo pelo retrovisor.

 

         Na demonstração seguinte, não encontrei mais nenhum dos veículos no local e também não apareceu mais nenhum “rachador”. Acho que aprenderam a lição para aquele momento e para o resto da vida.

 

*Observações feitas pelo proprietário de Simca, Norian Munhoz, de Santo André, SP: “A título de curiosidade: Na entrevista com o Manuel Simões, a respeito da BATIDA NA ALPARGATAS, informo que a R. Frei Gaspar continua com mão de direção sentido bairro/centro e a mesma ainda é de paralelepípedo, a Dr. Almeira Lima foi asfaltada, mas abaixo do asfalto ainda é paralelepípedo e tem trilhos de bonde de linha antiga, hoje utilizado para passeios de bonde promovidos pelo Museu do Imigrante. A Alpargatas montou várias fábricas menores pelo país e desativou essa unidade.

O prédio foi vendido para a Universidade Anhembi Morumbi, que manteve a fachada nas características originais, pois o prédio foi tombado pelo Patrimônio Histórico. Na área interna tudo foi reformado e virou sala de aula. O tal portão não existe mais”.

 

 

As Brigas com os Alemães da Volkswagen

         A fábrica da SIMCA era no quilômetro 23 da Via Anchieta, em São Paulo, exatamente em frente a fábrica da VOLKSWAGEN, que ficava à direita da pista no sentido São Paulo/Santos, onde está até hoje, e a SIMCA à esquerda, no terreno que recentemente foi palco de confrontos políticos com integrantes do MST, por ocasião de invasões, quando foi morto (em 24/07/2003) o repórter fotográfico “Luiz Antonio Costa”, o La Costa da revista “Época”.

 

         Considerando que o trecho de rodovia efetivamente começava no quilômetro 10, onde estava e ainda está o posto da Policia Rodoviária, todos os dias tínhamos treze quilômetros de percurso em estrada para chegar ao trabalho. A Rodovia Anchieta, na época, era composta somente das duas pistas centrais, existentes até hoje, que contavam somente com duas faixas de trânsito e uma faixa de acostamento, não havendo as pistas marginais laterais, que praticamente multiplicaram por três as condições iniciais. O horário de entrada das duas fábricas era o mesmo, 08:00 horas da manhã, para o pessoal administrativo, pois o pessoal de produção entrava antes.

 

         O pessoal da Volkswagen, com os fusquinhas 1200, era a maioria, e tinha o mau costume de se colocar na pista da esquerda e dificultar o trânsito dos veículos mais rápidos, com ênfase para os “SIMCAS”.

 

         A situação provocou diversas brigas na estrada, as quais felizmente não tiveram conseqüências mais graves. Contudo foram dignas de nota.

 

         Uma das situações, que tenho memória, pois participei, envolveu o pessoal de competições, que sempre andava de pé embaixo, que em uma manhã de neblina encontrou com um Fusca tranca-estrada no trecho da “Scania”, quilômetro 20. O Fusca obviamente também ia de pé embaixo, no limite de suas possibilidades, algo em torno de 110 quilômetros, o que era muito pouco para os SIMCAS, que chegavam aos 160. Todos estavam atrasados e o Fusca, como era costume, não saiu da frente, mesmo com a sinfonia de buzinas, oportunidade em que um dos Simca participantes se colocou a sua direita, enquanto que o que vinha atrás, encostou, pára-choque no pára-choque e começou empurrar o Fusca. Encurralado como estava, tendo a esquerda o gradil de “guard-rail”, à direita o SIMCA que não o deixava sair para direita e com o outro SIMCA na traseira empurrando a mais de 140, o Fusca só não voou porque Fusca não voa ...

 

         A situação deve ter demorado um minuto, se tanto, o suficiente para um percurso de mais de dois quilômetros, que não resultou em enfarte do “Fritz” porque seu coração era bom.

 

         Outra situação semelhante teve por protagonista o Mário Castanho, da Assistência Técnica. O Mário, que era muito bom de braço e que tocava um absurdo, tinha um “Morris Minor”, pequeno carro inglês, que acredito tenha sido por ele “envenenado”, pois o que aquele carrinho andava era uma barbaridade. Certa manhã, nas mesmas condições acima, um alemão e seu Fusca tranca-estrada, caíram na besteira de tentar bloquear o Mário e seu Morris Minor. O Fusca foi perseguido até o portão da Volks, onde entrou em desabalada carreira, com o Morris Minor no seu encalço, situação que só terminou no estacionamento da própria Volks, com Fusca e Morris Minor lado a lado e os dois “pilotos” fora dos carros trocando elogios.

 

 

Faria Lima Ficou na Enchente

         Era o mês era março do ano de 1966, o prefeito de São Paulo era o Brigadeiro José Vicente de Faria Lima, que estava no início de seu mandato e hoje tem seu nome em uma das principais avenidas da zona sul, a Avenida Brigadeiro Faria Lima. Ela é paralela ao Rio Pinheiros, a alguns quarteirões do centro da cidade, e no passado foi a Rua Iguatemi.

 

         Faria Lima exerceu seu mandato de 1965 a 1969, e a memória de sua administração é bastante favorável.

 

         O fato que vou relatar aconteceu em um domingo de muita chuva, por volta das 11:00 horas da manhã, na Avenida República do Líbano, que fica atrás do Parque do Ibirapuera, no trecho em que hoje se inicia a Avenida Antonio Joaquim de Moura Andrade, a qual na época dos fatos não existia. A Avenida República do Líbano, naquele trecho, ficava alagada em dias de muita chuva, alagamento que em alguns pontos devia chegar a um metro. É a região do túnel Airton Senna, na entrada que, passando sob o Parque do Ibirapuera, chega a Avenida 23 de Maio, Rua Sena Madureira.

 

A cidade naquele dia estava um verdadeiro cáos e apresentava inúmeros pontos de alagamento, a exemplo do que acontece ainda hoje.

 

         Sendo domingo, executávamos o que se denominou "Operação Serra" (assunto que será objeto de outro texto), motivo pelo qual almoçamos cedo e fomos para a fábrica em São Bernardo. Uma vez que morávamos no Jardim Paulistano, o percurso Avenida República do Líbano, Avenida Indianópolis, etc., era o caminho da roça que percorríamos todos os dias. Chegando no trecho acima descrito, que estava alagado, deparamos com um Aero Willys, preto, com placas pretas oficiais, nas quais constava à informação de ser o carro do Prefeito, parado em meio à enchente, com água quase no meio das portas, portanto, com um metro de altura ou próximo desse nível, o Prefeito fazia verificações técnicas e políticas, para poder acionar soluções e obviamente responder aos questionamentos da imprensa.

 

         Tínhamos plena confiança no Chambord que estávamos usando, pois havíamos revisado e melhorado todo o sistema de ignição, que estava a prova d’água. Já havíamos usado o carro em outras enchentes, sem qualquer problema.

 

         Ao nos aproximarmos, e devemos ter sido os únicos, o motorista, que era um negro alto e forte, com a porta dianteira esquerda aberta e em pé no estribo, solicitou apoio, alegando ser o carro do Prefeito. O carro estava alagado, com um palmo de água dentro, no banco traseiro Faria Lima com os pés na água e, acredito que sentado na água, não se manifestou.

 

         Parei, abri o vidro direito, pois chovia muito e aos berros, em condições de ser ouvido pelo motorista e pelo Prefeito gritei:-

 

- Que não ia prestar o socorro, para o Prefeito sentir na carne as dificuldades da população, e tomar as providências que a situação merecia. Disse também para apreender a comprar carro e não ficar na rua com carro que parava na água ...

 

         É importante ressaltar que tanto o Prefeito quanto seu motorista não corriam maiores riscos, pois era só alagamento sem correnteza, situação que possibilitou a atitude que tomei, sem qualquer constrangimento.

 

         Eram outros tempos, outro povo, outros políticos . . .

 

 

Operação São Domingos

         No segundo semestre de 1965, houve intensa campanha governamental para desenvolvimento de automóveis populares, que nada mais eram dos que os produtos normais de linha, produzidos de forma espartana, com acabamentos simplificados, retirada de itens e exclusão de tudo que resultasse em diminuição do custo, para com isso possibilitar um preço público mais acessível. É desta posição de Estado que tivemos os produtos “Profissional” da Simca, “Pracinha” (perua DKW) da Vemag, “Teimoso” (Renault Gordini) da Willys e “Pé de Boi” da Volkswagen.

         A Simca, que basicamente tinha um único produto, de porte grande para os padrões de Brasil da época, circunstância que inviabilizava disputar mercado com veículos menores, que eram todas as outras opções disponíveis em versões populares, foi obrigada a adaptar o produto para o mercado de táxis.

         É importante considerar que a frota de táxis de todo o Brasil era composta de veículos muito velhos, na média com mais de 15 anos, havendo inclusive táxis anteriores a 2ª Guerra Mundial, tais como Fords, Chevrolets, Lincolns, Buicks, Dodges etc. anos 1936, 37 38, 39 40 41 e o restante pós-guerra anos 1946 a 52, estes últimos em número muito pequeno. A bem da verdade, havia também uma pequena quantidade de Simcas, DKWs e Fuscas, em uma ou outra cidade, conseqüência de trabalhos regionais de concessionários, mas nada de significativo, considerando a totalidade da frota de carros de aluguel.

         O governo do Brasil estava nas mãos do General Humberto de Alencar Castello Branco, empossado em 01/04/1964, após a deposição e fuga do Presidente “Jango” (João Belchior Marques Goulart). Na época o sistema de previdência social, que hoje tem a sigla de INPS, era composto de órgãos específicos para cada categoria profissional: IAPI (industriários), IAPC (comerciários), IAPB (bancários) e tantas outras. Os motoristas profissionais eram cobertos pelo IAPETEC-Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, órgão que abrangia todos os profissionais da área, e também os motoristas de táxis.

         Para a venda aos taxistas era indispensável a existência de linhas de crédito e, nas pesquisas realizadas, constatou-se que o IAPETEC dispunha de recursos suficientes para financiar a substituição de toda a frota de táxis do Brasil, montante que, mesmo para as condições do momento, uma vez que a frota de táxis era relativamente pequena, envolvia recursos consideráveis.

         De uma operação de tal magnitude, seja em termos políticos, seja em termos econômicos, não podia fugir a participação do Presidente, e Castello Branco foi envolvido no processo decisório.

         Também em 1965 ocorreu a invasão da República Dominicana, com tropas da Força Interamericana de Paz, da qual o Brasil fez parte, operação que demandou recursos significativos.

         Castello Branco, conforme foi comentado na época, desviou as verbas do IAPETEC para a “aventura militar em São Domingos”, e com essa decisão os táxis do Brasil deixaram de ser substituídos, o modelo Profissional do Simca ficou praticamente no sonho e todos nós ficamos mais pobres, pobreza que se arrasta até hoje.

 

Operação Serra

         A Serra da Via Anchieta, em São Paulo, sempre foi um desafio para os automóveis, e até hoje é trecho de rodovia que, pelas suas características, apresenta dificuldades específicas. Obviamente os fatos não são exclusivos da Via Anchieta, apresentando-se em todos os outros trechos de serra que existem pelo Brasil e pelo mundo. Contudo, a Via Anchieta, ligando São Paulo a Santos, tem importância diferenciada, pelo volume de trânsito, pela sua proximidade com o berço da indústria automobilística (São Bernardo do Campo) e por inúmeros outros fatores, que a fazem estar constantemente nos meios de comunicação. Acredito que ainda hoje, a exemplo do que foi em passado recente, é regularmente utilizada pelos fabricantes de veículos, como campo de provas, para comprovar desempenho, constatar falhas e desenvolver os produtos.

 

         É interessante ressaltar que as dificuldades não se apresentam somente na pista de subida, como a primeira vista somos levados equivocadamente a acreditar, uma vez que a pista de descida apresenta dificuldades próprias da situação. A Vemag, que produzia o DKW, manteve nos anos 60 pessoal no alto da serra que, com apoio da Polícia Rodoviária Estadual, parava os veículos dessa marca para verificar e orientar os usuários quanto ao dispositivo de freio motor, que podia ser ligado e desligado, pois esse recurso, uma vez desligado, foi a causa de inúmeros acidentes na descida da serra, pois os freios se aqueciam e apresentavam inoperância. Já a subida apresenta basicamente dificuldades para o motor, que é solicitado de forma mais intensa e com isso, quando falha, simplesmente imobiliza o veiculo.

 

         Estes fatos relativos à serra já eram velhos conhecidos dos motoristas, desde meados dos anos vinte, quando foi inaugurada a fase rodoviária do Caminho do Mar e aberta a Serra Velha para o trânsito de automóveis. Nos anos 20, 30, 40, 50 e 60, portanto, por mais de quarenta anos, a Serra Velha do Caminho do Mar e a Serra da Via Anchieta, esta aberta ao público em 1947, criaram no imaginário popular e nos motoristas, em particular, uma série de mitos, crendices, conceitos e toda sorte de colocações dadas como definitivas, muitas delas conseqüentes da ignorância, da falta de conhecimento de toda ordem.

 

         Uma situação que se enquadra perfeitamente nesse quadro foi o conceito iniciado nos anos trinta, que chegou aos anos sessenta, “de que Ford subindo a serra esquentava a bomba de gasolina e parava”, fato que obrigava a colocação de panos molhados para o resfriamento da referida bomba e prosseguimento da viagem.

 

         Uma vez que o Simca brasileiro originariamente nasceu Ford, e tinha os mesmos componentes e conceitos construtivos Ford, está claro que ele apresentou o mesmo tipo de falha na subida de serra, e deu continuidade ao mesmo mito de precisar esfriar a bomba de gasolina para continuar a viagem.

 

         Em Janeiro de 1966 o pessoal de assistência técnica da Simca foi convocado a participar de trabalhos na serra, atividade que foi denominada “Operação Serra”. Da mesma participavam quatro representantes do DAT (Depto. de Assist. Técnica) que, usando carros da frota, sem qualquer identificação, transitavam pelo trecho de serra. No porta malas algumas poucas ferramentas, um reservatório de água, estopa e algumas peças como bobina, bomba de gasolina, condensadores, platinados, tampa de distribuidor, cabos de velas, componentes que apresentando falha e imobilizavam carros na serra. Os trabalhos eram realizados aos sábados, domingos e feriados, no período da tarde, se estendendo até por volta das 22:00 horas, quando o trânsito de turismo era mais intenso.

 

         Os quatro funcionários participantes, por volta das 13:00 horas, se reuniam na fábrica, abasteciam os carros de combustível e materiais, e desciam para Cubatão. No inicio da subida da serra tinham um ponto de partida, onde sincronizavam seus relógios, pois o intervalo previsto entre cada um era de quinze minutos. Sob uma pedra ficava um papel comum, onde cada um anotava sua hora de partida, para que o subseqüente pudesse controlar a posição com o que ia à frente. Ao encontrar algum carro da marca Simca parado, o funcionário também parava e, se necessário, prestava assistência com o máximo de discrição, objetivando evitar a noção de que a fábrica estava dando assistência gratuita na serra e também campanha negativista por parte da concorrência. As falhas normalmente eram situações simples de fácil solução, via de regra resultado de problemas de manutenção, como distribuição fora de ponto, cabos de ignição desconectados, giclês sujos e também da forma de dirigir dos motoristas, que insistiam em tentar usar a terceira marcha (o carro só tinha três marchas) em toda a subida, na ilusão de economizar combustível, com isso superaquecendo o motor.

 

         Havia também o dito superaquecimento da bomba de gasolina, que aparentemente era resolvido com uma estopa molhada em água fria - sobre esta ocorrência vide o texto especifico "A Bomba de Gasolina Não Tinha Culpa", que durante tantos anos foi um dos mitos da Serra.

 

         Tudo foi realizado com uma simplicidade franciscana, mas que funcionou muito bem. Nos dias normais o percurso era até o alto da serra, com retorno à base. Em algumas oportunidades de grande movimento, que as duas pistas (subida e descida) eram usadas para a subida, os quatro funcionários eram divididos em duas equipes, uma para cada pista e o retorno era feito pelo “Caminho do Mar” (Serra Velha). Inicialmente esta situação obrigava o retorno até “Rio Grande da Serra”, e o percurso de todo o “Caminho do Mar”, o que além de cansativo reduzia o número de atendimentos na serra. Com o tempo foram levantados alguns atalhos que ligam a Via Anchieta ao Caminho da Mar, na altura do Canal Smith, o que melhorou sensivelmente a situação.

 

         Este trabalho na serra perdurou até Junho ou Julho de 1966, e dele resultaram dados que foram importantes na solução de ocorrências apresentadas pelo produto.

 

 

A Bomba de Gasolina Não Tinha Culpa - (Complemento de “Operação Serra”)

         Como exposto no texto “Operação Serra”, a bomba de gasolina nos veículos Ford, e nos veículos Simca, por extensão, era dada como o componente responsável pela imobilização dos automóveis, quando transitando em trechos de subida de serra, devido a um pressuposto superaquecimento deste componente. A “panacéia” aplicada era esfriar a bomba com água e aplicar na mesma compressas de água fria, que eram mantidas sobre a mesma e logo que o motor funcionava continuar a viagem até a próxima parada, quando era tudo repetido novamente.

 

         Para solução da situação, a bomba de gasolina sofreu inúmeras modificações, que envolveram sua estrutura, diafragma, válvulas, mola, etc., sem resultados positivos.

 

         Os trabalhos na Serra do Mar resultaram na obtenção de subsídios, que efetivamente levaram a identificação das causas geradoras da falha e sua correção definitiva. Volto a ressaltar que esse tabu já perdurava por mais de quarenta anos, originário que era dos anos vinte, período muito anterior a Simca no Brasil, no qual não houve solução efetiva da falha, sendo o esfriamento da bomba de gasolina prática comum consolidada e a falha tida como doença crônica, sem terapia saneadora.

 

         Em linhas gerais, a ocorrência se apresentava dentro da seqüência que segue:

 

  • Na viagem de ida para o litoral, o veículo tinha desempenho regular e normal, não apresentando qualquer ocorrência de falha.

  • Durante a permanência no litoral, fosse de horas ou de dias, o desempenho regular e normal era mantido, e o veiculo funcionava dentro do esperado.

  • A viagem de retorno até a serra também transcorria normalmente, contudo, após quinhentos metros a um quilômetro do percurso de subida, havia possibilidade da irregularidade se apresentar, manifestando-se pela parada do motor devido à falta de combustível. Esta falta de combustível ocorria entre a bomba de gasolina e o carburador, independentemente das quantidades existentes no tanque; estivesse o tanque cheio, com meia carga ou no final.

  • A situação de falha acontecia em qualquer quilometragem de percurso do trecho de serra, sendo que, em alguns carros, inexplicavelmente não se apresentava (inexplicavelmente para os fatos considerados na época).

  • O fenômeno independia do ano e quilometragem do veículo, podia ser zero quilometro ou já entrado em anos e quilometragem, que não estava isento de apresentar a moléstia.

  • Os carros da frota, usados pelo pessoal da Fábrica, nunca apresentaram o problema, circunstância que dificultava ainda mais a análise da situação.

  • Vencido o alto da serra, na região do planalto os fatos não se apresentavam, o que era fator intrigante.

 

         Diante tantos fatores sem resposta, o assunto dentro dos muros da Fábrica passou a ser discutido com freqüência, pela Assistência Técnica, pela Engenharia, enfim por todos os envolvidos e ao final de poucos meses chegou-se à CAUSA do problema, conforme a seguir exposto:

 

  • Ficou comprovado que a bomba de gasolina não era o componente gerador da falha.

  • Uma vez que a tubulação de combustível era fixada no túnel central de passagem do eixo cardan, passava também sobre o eixo traseiro, exatamente sobre o diferencial.

  • A região sobre o diferencial apresentava temperaturas bastante elevadas, acima de 100º C, temperatura suficiente para vaporizar a gasolina na tubulação que a conduzia até a bomba de combustível.

  • Uma vez vaporizado o combustível, a bomba, que era projetada para movimentar fluidos líquidos, não conseguia movimentar o fluido agora gasoso por estar vaporizado, resultando do fato a falta de alimentação do carburador.

  • O aquecimento da região crítica era a somatória das temperaturas geradas no motor, no câmbio, no eixo traseiro (diferencial) e pelos dois escapamentos.

 

         A solução definitiva da irregularidade implicou no deslocamento da tubulação de gasolina para o lado externo da longarina direita da estrutura monobloco, com o que a gasolina deixou de percorrer a área de temperatura elevada, deixou de sofrer vaporização e tudo voltou a funcionar dentro do previsto.

 

         A ocorrência do fato é denominada “vapor look” (tampão de vapor), conforme apresenta Manuel Arias-Paz em sua obra “Manual de Automóviles”, de 1940, editado em português com o titulo de “Manual de Automóveis” pela “Editora Mestre Jou”, edição de 1965, na pagina 197.

 

         Depois do ovo de Colombo ter ficado em pé, entendemos que tudo dependia da temperatura alcançada sobre o diferencial, e que o nível da mesma era conseqüência direta de “n” fatores, tais como carga do veiculo, marcha utilizada, rotação do motor, condições do sistema de arrefecimento e outros tantos, que não ocorriam nos carros que usávamos pois andávamos vazios, conduzíamos em condições ideais e parávamos diversas vezes a cada subida.

 

         Revendo as situações ocorridas, concluímos que, quando o veículo apresentava falha e parava, deixava de produzir calor, com o que após algum tempo o sistema voltava à temperatura regular e voltava a operar.

 

         A “panacéia” de esfriar a bomba de gasolina propiciava esse tempo para queda de temperatura do sistema, mas levou mais de quarenta anos para ser descoberta e resolvida.

 

 

Os Simcas Off Road e o Comício

         Era um sábado à tarde, em Outubro de 1966, a cidade era Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, naquela semana havia chovido bastante e ainda chovia.

 

         Estávamos, eu e o inspetor comercial, no bar do Hotel, de nome Turis, que ficava na praça principal da cidade, pois devido às condições de chuva, naquela época as cidades da região ficavam sitiadas pelos atoleiros, uma vez que todas as estradas eram de terra, que se transformavam em imensos lodaçais, impedindo qualquer deslocamento. Lembro-me que durante a semana, estando hospedado em Passo Fundo e tendo ido trabalhar em Carazinho ( 30 Km ), fui obrigado a dormir em Carazinho, pois a chuva que caiu durante o dia impediu qualquer deslocamento.

 

         No período havia campanha eleitoral, para as eleições que se realizariam dia 15 de Novembro seguinte. Em uma mesa, próxima a que ocupávamos, estava um grupo de políticos da região, discutindo sobre como chegar em Erechim, onde participariam de um comício naquela noite. A discussão era acalorada, pois uma viagem de Passo Fundo a Erechim, naquela época (1966) e com chuva, era uma epopéia, considerando que, como citado acima, a rigor a cidade estava sitiada pelo barro das estradas. Vencer a distância dos 60 quilômetros entre as duas cidades só em caso de vida ou morte, usando jeeps ou tratores, pois com qualquer outro veículo era uma temeridade.

 

         Na porta do hotel estavam nossos dois Simcas de trabalho, ambos Chambord 66, nas cores Sombra Queimada e Camurça (Teto Marrom Metálico e parte inferior Café com Leite), eram carros que realmente chamavam atenção pela aparência. O fim de semana naquelas condições ia ser longo e de tédio, pois não havia nada que fazer de interessante. Observando a discussão dos políticos, confabulamos da possibilidade de nos colocarmos à disposição dos mesmos para levá-los a Erechim com nossos carros, o que para nós seria um programa divertido, preenchendo o fim de semana, além de promover o produto na região, pois o fato seria motivo de comentário geral. Feita a oferta, os políticos aceitaram de pronto, com o que tivemos que planejar detalhes da operação para não ficar na estrada.

 

         A estratégia básica estabelecida foi cada carro levar somente quatro passageiros e um de nós como motorista, para limitar a carga e na viagem manter distância, observando as condições do carro que ia à frente. Nos trechos críticos, que eram de conhecimento dos políticos, o carro de trás pararia aguardando que o da frente vencesse o obstáculo, procedimento que depois era repetido pelo carro da frente que parava, aguardando que o da retaguarda também ultrapassasse o trecho difícil. No caso de um dos carros ficar encalhado, o previsto era retornar ou prosseguir somente com o outro, uma verdadeira operação de guerra.

 

         Na saída de Passo Fundo montamos nos carros as correntes antiderrapantes, que eram equipamento regular de bordo, e demos início a aventura, que para nossa felicidade transcorreu sem percalços, muito embora em alguns pontos as travessias tenham sido cinematográficas. O percurso demandou mais de duas horas e entramos em Erechim após o anoitecer, indo direto para o hotel, que estava cheio devido ao comício, o que foi contornado pelos políticos que gozavam de influência, uma vez que após o comício haveria churrasco comemorativo, e outras ações que se prolongariam noite adentro, como de fato ocorreu, ficando o retorno para o dia seguinte, em condições mais seguras. Os carros estavam cobertos de barro e estrategicamente foram estacionados próximo à área do comício, pois os candidatos não perderiam o gancho de citá-los em seus discursos, o que nos era conveniente, para promoção do produto, tendo tudo transcorrido dentro do programado.

 

         No dia seguinte o retorno foi pela manhã, em condições idênticas às da tarde anterior, sendo que na chegada a Passo Fundo um dos políticos fez questão fechada de estacionar os dois carros na praça principal, a título de agradecimento das atenções recebidas.

        

         Andamos com os carros cobertos de barro por no mínimo dois dias, exibindo o troféu da aventura do fim de semana, somente mandado lavar em outra cidade do roteiro de trabalho.

 

 

Acidente no Parque do Ibirapuera (Continuação de “Pesquisas e Demonstração [Prospecção]”)

         Um dos responsáveis pelo treinamento do pessoal era “EVALDO REAL FOZ”, técnico de nomeada, de saudosa memória, que foi um grande formador de profissionais automobilísticos e mecânicos, não só na área comercial mas em todas as atividades : do projeto, da linha de produção, do salão de exposições, da assistência técnica, das peças de reposição e tudo o mais.

 

         Certo dia, o treinamento prático foi programado para ser realizado no “Parque do Ibirapuera”, em São Paulo, local tranqüilo e com plenas condições para os trabalhos. Eram uns oito automóveis e por volta de quarenta pessoas entre instrutores e alunos. A parte da manhã transcorreu normalmente e na hora do almoço o grupo procurou restaurantes da região, marcando hora para o reinício dos trabalhos da tarde.

 

         O ponto de reunião era na “Grande Marquise”, na ponta em frente ao “Obelisco”. O pessoal foi chegando e, antes que se reiniciasse o treinamento, um dos treinandos acidentalmente bateu com um dos automóveis levemente em uma árvore e, em seguida, em uma das colunas da “Grande Marquise”. Era um Rallye Especial verde metálico com o teto também metálico em dourado claro esverdeado, realmente um carro muito bonito. O dano no automóvel foi muito pequeno, e inexistente na árvore e na coluna. Contudo, o pessoal de segurança e administração do parque tomou conhecimento e criou uma série de dificuldades, totalmente descabidas, inclusive exigindo apresentação do licenciamento original do veículo, não aceitando a cópia regulamentada que era usada, e proibindo a retirada da unidade acidentada do local.

 

         Diante do impasse fomos obrigados a deslocar um dos treinandos até a fábrica em São Bernardo do Campo, para apanhar a documentação exigida, incumbência que me foi confiada.

 

         O pessoal de segurança e administração do parque já havia se retirado do local. Uma vez que dispúnhamos de um segundo veículo exatamente igual ao acidentado, este propositalmente foi o escolhido para ir até a fábrica, pois deveríamos passar no local em que estavam os funcionários criadores de dificuldades e o veículo igual com certeza seria tomado como o acidentado, mexendo com a cabeça dos mesmos. Na saída não deu outra, a “otoridade” veio de dedo em riste, posicionando que havia “mandado” que o carro não podia sair do lugar e que estávamos desobedecendo a suas “ordens”. Fizemo-nos de desentendidos e voltamos por mais de quinhentos metros com o encrenqueiro e seus assessores andando ao lado do carro, uma vez que estavam a pé.

 

         "Andando a pé" é forma de dizer, porque mantivemos uma velocidade que estimo em 15 Km e com isso eles tiveram é que correr. Quando chegaram ao local dos fatos, suados, sem fôlego, constatando que o carro acidentado estava exatamente no mesmo local e que o carro em que estávamos era outro, as expressões foram realmente cômicas. Na mente dos mesmos acho que não havia espaço para entender que estavam diante de dois automóveis gêmeos, situação que mexeu com seus neurônios.

 

         Completando, fomos buscar os originais da licença e liberamos o veículo sem maiores problemas, pois não havia qualquer razão que impedisse o procedimento.

 

 

Lançamento de Esplanada no Sul

Em Janeiro de 1967 eu efetuava trabalhos na oficina da fábrica da Simca, área que realizava a manutenção de veículos da frota, unidades com problemas que a Rede não havia solucionado, ou seja, era a oficina que resolvia tudo que não tinha solução regular. Dentro de minhas previsões deveria permanecer nessa área algum tempo, situação que na realidade não ocorreu.

 

Dia 12 uma quinta-feira (12/01/1967) fui notificado de que participaria da apresentação do produto recém lançado “ESPLANADA” na região sul, nos estados de Santa Catarina na cidade de Lages e Rio Grande do Sul nas cidades de Vacaria, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Novo Hamburgo.

 

Desta operação participaram os funcionários Juarez, inspetor de vendas da região que morava em Bento Gonçalves, Correia também de vendas que atuava em Porto Alegre.e eu de assistência técnica. Tenho de memória que levamos quinze carros, sendo um Esplanada na cor platina, quatro Jangadas Emi-Sul e dez Chambord Emi-Sul, estas quatorze unidades com predominância em cores claras.

 

Com quinze carros novos, mais os dois do pessoal de vendas, tive a liberdade de não levar meu carro de serviço. Os quinze motoristas para os carros novos foram contratados nos pontos de táxis de Santo André (taxistas), sendo escolhidos aqueles que possuíam carros próprios, novos e com idade acima de 30 anos, com o que foi formada uma equipe de muito boa qualidade. É obvio que a retirada de quinze táxis da cidade de Santo André (os melhores) resultou em criticas da população, assunto que foi comentado pela imprensa. Basicamente o preço acordado, foi praticamente o bruto que os taxistas faturavam com seus carros, condição excelente pois não teriam as despesas operacionais dos mesmos e tiveram todas as despesas de viagem, inclusive o retorno (de ônibus) coberto pela SIMCA. A rigor para esse pessoal contratado, o trabalho foi uma grande festa, pois participaram de todos os eventos e se divertiram a valer.

 

A partida inicialmente ficou programada para o dia seguinte, 13 que era sexta-feira, pela manhã. Por volta das nove horas tudo estava pronto, com exceção de alguns itens de reposição, que ainda não existiam nos estoques dos revendedores, pois eram modificações recém introduzidas. Um item nessas condições era o reservatório dos cilindros mestres de freio e da embreagem hidráulica, em material plástico. Diante da situação firmei posição em somente partir com esses itens, pois era uma temeridade empreender a operação sem tais recursos. De comum acordo (Vendas e Assistência) a equipe iniciou a viagem naquela manhã, menos eu e um motorista contratado com o respectivo Chambord. No final da tarde consegui o material em causa e fizemos a viagem, encontrando o restante do grupo em Curitiba, em um hotel que já estava contratado, chegando quando já passava da meia noite.

 

No dia seguinte (14) partimos com destino a Lages em Santa Catarina. À parte da manhã transcorreu normalmente, pois como ponteiros da caravana nos revezamos eu e o Correa, mantendo sempre velocidades compatíveis, para preservar a integridade dos veículos, levando em conta que poderiam ocorrer disputas entre os condutores e mais os riscos da BR 116 em  pista dupla. Até a hora do almoço percorremos aproximadamente 250 km, uma vez que nossa partida de Curitiba foi por volta das 10:00 horas e não havia qualquer justificativa para ter pressa. O almoço foi na região de Santa Cecília e Juarez se impôs como ponteiro, percorrendo por volta de quarenta quilômetros em altas velocidades, eu que estava no fim do comboio não aceitava tal comportamento, contudo não podia fazer nada, situação que comentei com o motorista que conduzia no momento.

 

Na altura de Curitibanos, tendo visão de toda a caravana a minha frente, pois era uma imensa descida, seguida de subida, o quarto ou quinto carro lançou uma enorme nuvem de fumaça branca, que envolveu todos os posteriores, e foi para o acostamento, evidência de que algo muito grave havia ocorrido. Todos os carros da retaguarda o acompanharam indo também para o acostamento, oportunidade em que instrui o motorista que me acompanhava, para alcançar os que iam à dianteira, pois não haviam percebido nada e continuavam em velocidade. Com sinalização de faróis conseguimos detê-los alguns quilômetros adiante e retornamos. Removendo os cabeçotes do carro gerador da fumaça, constatei que o motor tinha sido destruído, resultado da queda de uma válvula no cilindro, devido a uma troca de marchas errada, que levou o motor a rotações absurdas, com o destravamento da válvula por flutuação da mola. O pistão tinha perdido toda parte superior, o bloco estava quebrado dos dois lados da camisa e o cabeçote inutilizado; tudo devido ao comportamento infantil do ponteiro da caravana. Foi obtida uma corda em uma localidade próxima para rebocar o carro “acidentado” e na entrada de Lages o mesmo foi estacionado na casa do titular da concessionária, somente sendo removido para as oficinas da concessionária “Amapal Ltda” pela madrugada.

 

No domingo, considerando as dificuldades de comunicação que existiam na época, POR TELEGRAMA notifiquei a fabrica em São Bernardo do Campo quanto à necessidade de um motor para o carro acidentado.

 

Ainda no domingo, os carros foram preparados, com ênfase para o ESPLANADA, que era a estrela e o evento foi realizado a noite,  nos salões do principal clube social da cidade.

Na segunda feira dia 16, orientei o concessionário de Lages para a remoção do motor do carro com problema e nos deslocamos para a cidade de Vacaria que era a próxima etapa.

Durante a semana de 16 a 21, efetuamos os eventos de Vacaria e Caxias do Sul, nos mesmos moldes do realizado em Lages, usando as instalações das próprias concessionárias, “Comercio de Automóveis Guerra Ltda” em Vacaria e “Importadora Auto Nordeste Ltda” em Caxias do Sul.

 

É importante ressaltar que à medida que realizávamos os eventos, íamos deixando nos concessionários os carros programados para cada concessionário e os motoristas (taxistas) dos mesmos retornavam a Santo André de ônibus.

 

Na manhã de sábado 21, estando no Hotel Alfred em Caxias do Sul, recebi a informação de que o motor  novo havia chegado em Lages, particularmente não sei de que forma a noticia me chegou, pois como já colocado os meios de comunicação na época, eram muito precários; o importante é que a noticia chegou. A distancia de Caxias do Sul a Lages é de aproximadamente 230 quilômetros, o que correspondia a umas quatro horas de viagem. Optei por fazer o percurso de ônibus, dado a tranqüilidade que acreditava poder gozar; escolhi um dos motoristas contratados para me acompanhar e iniciamos a maratona. Digo maratona, pois às quatro horas de viagem idealizadas se estenderam por mais de oito horas, uma vez que o ônibus entrava em tudo que era vila e lugarejo, pegava passageiro com galinha, porco, verdura etc, tendo chegado a Lages já passava das sete horas da noite. Fui à casa do titular da concessionária e obtive somente as chaves da oficina, pois o mesmo “dentro de sua miopia empresarial” desejava instalar o motor na segunda feira, o que era impraticável para nossa programação de trabalho dos próximos dias. Uma vez na oficina, relacionei as principais operações a realizar, levantei as ferramentas e materiais necessários.Os materiais indispensáveis eram o óleo lubrificante para o motor e o fluido de freio, para o comando da embreagem hidráulica que equipava o Simca 1967.

 

Já era noite quando juntamente com o motorista que me acompanhou, tomamos um táxi e fomos a uma churrascaria jantar, pois sequer havíamos almoçado. No retorno passamos em um posto de gasolina e compramos o óleo lubrificante e o fluido de freio, retornando a oficina.

 

Considerando que a viagem de retorno era para Bento Gonçalves, distante 280 quilômetros de Lages, onde estava programado o próximo evento para o dia seguinte, domingo dia 22, tudo tinha que ser minuciosamente planejado, pois qualquer pequena falha naquelas condições poria tudo a perder.

 

Para o posicionamento do motor, trabalhamos eu e o motorista, pois esses trabalhos precisavam ser realizados por duas pessoas. Antes das 10:00 horas da noite, o motor já estava posicionado, o que me levou a orientar o motorista, para se acomodar e dormir em um Rallye Especial novo que estava na oficina, carro que foi colocado nos fundos em lugar escuro, para dar melhores condições de repouso ao meu companheiro de aventura. Com os bancos reclinados o Rallye Especial, foi um ótimo hotel, pois o “hospede” dormiu a noite inteira.

Passei a noite inteira montando o automóvel, instalando carburador, bomba de gasolina, distribuidor, alternador, radiador, motor de partida, caixa de cambio, eixo cardam, bateria, capo do motor e tudo mais que havia sido removido, inclusive fazendo as regulagens de ponto do motor, embreagem, abastecimento de água, óleo e outros detalhes. O dia amanhecia quando o motorista acordou e o carro já estava praticamente pronto, faltando somente “sangrar” o comando hidráulico da embreagem, trabalho que demanda duas pessoas.

Feita uma verificação final, saímos com o carro , fechamos a oficina, levamos as chaves para o titular da concessionária, colocando na caixa dos correios (como combinado), na saída da cidade paramos em um posto, abastecemos o veiculo e tomamos o café da manhã. Uma vez na estrada, o motorista me contou depois, que em menos de dois minutos eu dormia profundamente, só acordando quando chegamos a Bento Gonçalves antes do meio dia. Fui para o hotel e depois de um banho dormi a dia inteiro, só acordando após as 19:00 horas, para participar do evento de apresentação do ESPLANADA que foi realizado no Salão da Casa Paroquial de uma igreja.

 

A ultima etapa dos trabalhos foi em Novo Hamburgo, realizada durante a semana, nas instalações do concessionário “Auto Lar Hamburguesa S.A”., transcorrendo dentro da normalidade. Deste evento lembro-me de haver acompanhado o Prefeito em varias rodadas de uísque, o que chamou atenção do titular da concessionária, pois o meu acompanhante já estava”bem alto” e eu não apresentava qualquer sintoma; porque em lugar de uísque, os garçons por previa orientação minha e correspondente gorjeta, me serviam só guaraná com açúcar, portanto sem gás.

 

O ESPLANADA que levamos era para o concessionário de Caxias do Sul, cidade para onde retornamos após o evento de Novo Hamburgo, realizando a entrega da unidade.

 

Dia 27 sexta-feira, bem cedo (antes das 5:00 horas) saímos de Caxias do Sul, com o carro do Correa, para levar Juarez ao aeroporto de Porto Alegre (150 quilômetros), que retornava a São Bernardo do Campo com os cheques dos quinze automóveis faturados, que deveriam ser depositados ainda naquela sexta feira, para compensação antes do fim do mês (31 quarta-feira).

Deixando nosso passageiro no Aeroporto Salgado Filho, fizemos meia-volta e retornamos para Caxias do Sul, onde estavam nossas bagagens no Hotel Alfred, pois sequer havíamos fechado as contas. Eu tocava o Simca e o Correa ressonava na condição de passageiro.

 

Na subida da Serra de Caxias uma moça loirinha pedia carona, o que era muito comum naquela época e naquela região. Encostei e a moça veio correndo uns trinta metros, com duas bagagens, que incluíam um saco de dormir, um violão e mais uns dois volumes. Não falava português, só inglês, entendemos que seu destino era o Rio de Janeiro, acomodou-se no banco traseiro, com suas bagagens e continuamos a viagem. Era uma americana de uns vinte anos, que havia saído dos Estados Unidos, juntamente com um grupo de jovens, que de “carona’ haviam percorrido toda a costa do Pacifico da América Central e da América do Sul, haviam entrado no Brasil a partir da Argentina. O restante do grupo já havia seguido viagem” sempre de carona “. Usando o ”Saco de Dormir“ havia pernoitado no mato, no local em a havíamos encontrado. O grupo tinha um encontro marcado no Rio de Janeiro, na esquina da Rua Santa Clara com Avenida Nossa Senhora de Copacabana, no bairro de Copacabana, dia 29 seguinte, que era Domingo. O Carnaval em 1967 transcorreu de 04 a 07 de Fevereiro, e o grupo americano programou passar no RIO, motivo do encontro combinado.

 

Chegando em Caxias do Sul estacionamos junto do Hotel Alfred, para fechar as contas e apanhar nossas bagagens, deixando nossa passageira no carro, avisando que voltaríamos em minutos. Ao retornarmos nossa passageira havia sumido, mas seus pertences permaneciam no carro, aguardamos uns vinte minutos e mesma reapareceu com outras roupas, aparência de haver tomado banho, penteada e maquiada. Havia usado o banheiro de um bar próximo, e praticamente tomado banho com a água do lavatório do sanitário feminino. Viajou conosco o dia inteiro, almoçando e jantando, inclusive dormindo após as refeições, pois acomodou suas bagagens e tinha bastante espaço no banco traseiro. Era filha de um dos proprietários de uma grande empresa de ônibus rodoviários nos Estados Unidos, que posteriormente identifiquei como sendo a “GREYHOUND LINES”, aquela que regularmente aparece nos filmes e que tem um grande cachorro cinza como logotipo. Esse logotipo é estampado nas duas laterais dos ônibus.

 

Alcançamos Curitiba por volta das 23:00 horas e considerando que já havíamos rodado novecentos quilometro (Caxias do Sul / Porto Alegre / Caxias do Sul – 300 km), (Caxias do Sul / Curitiba – 600 km), optamos por pernoitar e seguir viagem no dia seguinte 28 sábado. Nossa passageira no entanto nos criou um sério problema, pois a todo custo desejava ficar da beira da estrada e conseguir nova carona, o que mesmo há mais de trinta e cinco anos era uma temeridade. Com muita dificuldade conseguimos convencê-la a seguir viagem de ônibus, que a mesma relutante aceitou somente até São Paulo, aonde chegaria ao amanhecer, dando continuidade novamente de carona. Fomos até a rodoviária de Curitiba, compramos a passagem para São Paulo e embarcamos a “gringa” pela “COMETA” , tendo o cuidado de orientar o motorista do ônibus para somente desembarcar a mesma em São Paulo.

 

Meses depois recebi carta dos Estados Unidos, na qual nossa passageira agradecia as atenções e informava haver concluído a aventura com pleno êxito. Por alguns anos trocamos cartões de Natal e depois perdemos o contato.

 

É interessante ressaltar que em Santa Catarina, também região de Santa Cecília, aonde na ida o motor do EMI-SUL havia sido destruído, o carro do Correa quebrou um varão de acionamento da embreagem, que nesse carro ainda não era com acionamento hidráulico, circunstancia que nos obrigou a fazer todo o restante da viagem até São Bernardo do Campo, fazendo as trocas de marcha no tempo, seja para cima (1ª, 2ª, 3ª), seja nas reduções (3ª, 2ª 1ª), o que foi uma experiência curiosa.

 

No dia seguinte sábado 28 concluímos o percurso Curitiba / São Paulo, ficando eu com o carro do Correa, devido o problema da embreagem, chegando a Fabrica  em São Bernardo do Campo dia 30 segunda-feira sem maiores dificuldades.

 

 

Manoel Simões Ricardo

21/12/2004

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