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Toco (piloto da equipe de competição da Simca)

Entrevista concedida em 03/05/2004

 

         Batizado como José Fernandes Lopes Martins, cheguei na Simca simplesmente como "Toco". Culpa do meu avô. E assim fiquei e sou conhecido até hoje. Em 1961, comecei a trabalhar no Departamento de Competições da Simca. Era bem precário, o negócio era bem rústico e precisou ser desenvolvido.

         Eu trabalhava antes no banco de provas, comecei a mexer nos motores de corrida, ver a potência que tinham, e assim fui transferido para o Departamento de Corridas. Eu e o Jaime Silva tomávamos conta da mecânica e do desenvolvimento do carro até chegarmos no ponto que chegamos, no começo de 1964 chegamos a tirar 144 cavalos do motor.

 

         Com certeza, o que aprendíamos nas corridas eles colocavam nos veículos de série, o que os fez melhorarem muito porque no início eram muito ruins, muito fracos. Nós desenvolvemos muito o carro. Melhoramos câmbio, diferencial, motor, comando e virabrequim, muita coisa.

 

         No início corríamos com rodas francesas, as brasileiras quebravam o miolo da roda direto, fomos no Fumagalli e pedimos para fazer as rodas e ele começou a fornecer, nunca mais quebrou.

 

         O semi eixo traseiro simplesmente soltava, porque o rolamento era preso com um anel de ferro, esquentava e saía, então começaram a colocar três pontos de solda de fábrica e o problema acabou.

 

         No início, o virabrequim quebrava na ponta fina, onde vai a polia. Fomos na linha de montagem, fala com um engenheiro, com outro, ninguém resolveu, disseram pra fazer o virabrequim de aço que não teria problema. E nada. Um dia, estávamos eu, o Jaime Silva e um mecânico nosso que chamava Hélio. O Hélio disse : "eu sei porque está quebrando". Ninguém sabia, um monte de engenheiros não sabia, engenheiros do ITA, de São José dos Campos.

 

         Ele disse: "Aqui tá tendo uma linha de corte, por causa da ponta fina e, logo em seguida, o êmbolo do contrapeso. Forma-se um ângulo reto e esquenta a ponta, dai quebra".

 

         Passou-se para um ângulo de 45° e, assim, o calor foi dissipado. Nunca mais quebrou. Quando lançou o Emi-Sul aconteceu a mesma coisa, por causa da potência, e a solução foi a mesma.

 

         Sempre usamos o pneu cinturato Pirelli, era radial, mesma medida, na época não tinha pneus mais largos do que os de série e, mesmo que tivesse,  não podiam ser usados nas corridas.

 

         Os anéis passaram a ser cromados porque os antigos quebravam muito, eram temperados ou recozidos, então o carro começava a gastar óleo. O material dos novos anéis passou a ser do mesmo material dos anéis do Scania Wabis, para não quebrar, e eram fininhos para não ter atrito. 

 

         Nos motores V-8 de série, o eixo do piston (onde vai o pino) não era centrado para dar menos atrito e, conseqüentemente, menos desgaste, aumentando a durabilidade do motor. Mas nos motores de corrida os pistons eram centrados porque o negócio era ganhar giro, assim o piston, em vez de ser descentrado, era centrado.

 

         Fomos para a Argentina, fizemos um monte de comandos lá para experimentar, porque a gente nem tinha idéia de qual comando seria o ideal. Naquela época, a Argentina estava uns 10 anos na nossa frente, chegávamos lá tinha duas, três fábricas que só faziam comando, tinham 10 tornos copiadores só para fazer comandos de válvula.

 

         A gente corria com o diferencial 9:43, que na França vinha na Jangada (Marly). O câmbio tinha 2ª, 3ª e 4ª, não tinha 1ª. Tínhamos 3 relações, perdíamos na arrancada mas recuperávamos rapidinho.

 

         O Simca era bem superior aos concorrentes da mesma faixa de mercado. O Aero nem corria. O JK a gente tirou da liderança logo, rapidinho, porque eles não desenvolveram o carro como nós fizemos com o Simca. Só dupla carburação e 5 marchas não foi suficiente para ele nos acompanhar.

 

         Estávamos conseguindo chegar perto da Berlineta, quando fizemos aquele motor com 144 cavalos. A gente tinha certeza que íamos ganhar na próxima corrida, sem dúvida alguma. Daí o Greco, que chefiava a equipe Willys, muito do esperto, foi para a França e trouxe os motores R-8, com câmbio de 5 marchas, freios Dunlop, que eram um absurdo, muito grandes, a disco, ventilados, aí era covardia. Ele viu o nosso crescimento e viu que a cada corrida a gente chegava mais perto, diminuindo a diferença, a gente ia engolir ele, um carro de passeio contra uma berlineta, um carro bem mais leve, muito mais aerodinâmica.

 

         A gente tinha conversado com o Pasteur que íamos ganhar a corrida, com certeza. Toda 3ª feira tinha uma reunião. Quando tinha corrida no final de semana a gente não trabalhava na 2a. Na 3ª a gente tomava café da manhã com ele, na Diretoria, o Departamento de Corridas foi muito importante para a Simca, principalmente no Sul, vendeu muito, demais, e o carro era meio desacreditado, aí vendeu muito, em 1964 a Simca bateu o recorde de vendas e também todos os concorrentes. Eu cheguei a correr uma vez com uma berlineta dessas, quando acabou a Willys, fiz uma 12 horas com o carro, era brincadeira o que o carro parava, freiava a 50 m do fim da reta e tinha que acelerar de novo porque ele parava.

 

         Chegamos na 3ª para a reunião e o Pasteur estava meio bravo, ele não sabia porque a gente tinha perdido daquele jeito, nós contamos pra ele a viagem dos caras para a França. Então ele falou, bom , vamos comprar a Abarth. Foram o Chico Landi e o Ciro para a Itália e compraram 3 Abarth, empresa que fazia a Abarth Simca com o motor 4 cilindros de 1500 fabricado na França e a Abarth Fiat. Era independente. Desse motor ele fazia um motor de 2 litros e tirava 200 cavalos na época, e o carro girava a 12.000 giros.

 

         Trouxemos 2 Simca-Abarth de 6 marchas com 2 litros e 1 de 2 litros com 4 marchas. De reserva trouxemos câmbios, rodas, pneus, pistons, tudo, tudo, a Simca do Brasil importou como protótipo com a desculpa de produzir, o protótipo podia ficar dois anos no país.

 

         Aí foi covardia, fizemos 28 corridas e ganhamos 27, eu e o Jaime, perdemos uma na Barra da Tijuca porque quebrou uma roda no fim da reta, quando faltavam 4/5 voltas, não teve jeito de chegar no box, ganhou o Camilo com uma Ferrari Testarossa. A diferença era muito grande, no fim da reta de Interlagos dava 289 por hora, não abaixamos o recorde porque não quizemos, era da Mazeratti-Corvette do Ciro, de 3 mim 44 s. No primeiro dia que fomos experimentar a Abarth rodamos a 7.000 giros e viramos a 3 mim 26 s, era um absurdo, se puxasse 10 a 11.000 giros ia abaixar mais. O Simca virava a 4 mim 1 seg/3 min 59 s. Nós fizemos uma carretera Simca, abaixamos o teto, encurtamos, colocamos pneus da Abarth, viramos a 3 min 50 s/3 mim 48 s, chapa leve, diferencial mais curto, câmbio longo, um monte de modificações.

 

         Quando chegou a Abarth não paramos de correr com o Simca e ainda fizemos a Perereca, com suspensão dianteira da Mazeratti do Ciro, a carroceria quem fez foi o Anísio Campos, em alumínio, rodas de cubo rápido, uma meia boca.

 

         Na época houve uma briga entre o Automóvel Clube e o Centauro, então foi feita uma outra prova para concorrer com a 1000 milhas, a de 1.600 km , a mesma coisa, em Interlagos, só que com uma volta a menos, que ganhamos. Vencemos muitas corridas, lembro agora das 12 horas do Sul, de Brasília, na inauguração do circuito de rua de Brasília, e muitas outras. Ganhamos uma corrida de 1.600 km em Interlagos e fizemos um 3° lugar. Teve uma corrida com um carro com motor de 144 cavalos, com o Anísio e o Eduardo Cilidoni, o carro foi desclassificado porque estava com 4 marchas, tiramos o pé das Abarth para ganhar o Simca, mas não adiantou

 

         O motor do Tufão veio do motor de corridas. Ele nada mais era do que o mesmo motor Aquillon com o virabrequim alterado, o diâmetro dos cilindros maior e os anéis diferentes.

 

         Trabalhei 7 anos, até o começo a Chrysler, que acabou com o departamento de corrida. Perdemos toda a mordomia, antes tínhamos total liberdade, não tínhamos hora para chegar, o salário era muito bom, os prêmios das corridas eram nossos. Tínhamos apenas que ganhar corridas, não tinha problemas de verba, o que precisava o Pasteur autorizava. Para corridas sempre tinha dinheiro porque o Pasteur via que estava aumentando barbaridade a venda do carro, principalmente no Sul. A gente ia correr no Sul no mínimo 2 vezes por mês, dificilmente perdíamos corrida lá, com o esquema de fábrica. Os caras ficavam malucos, eles não tinham o que a gente tinha (diferencial, câmbio, suspensão, etc.). A gente ia na cavalhada Vila Nova e na Pedra Redonda, Porto Alegre. Na categoria não tinha pra ninguém, corríamos contra o Catarino, o Breno Fornari (ambos de Simca), o José Asmuzi também, a turma de Caxias do Sul idem. A gente sempre ajudava um pouco, dava um câmbio, apertava um diferencial, com o objetivo da Simca ganhar contra os concorrentes, na categoria tinha JK e as carreteras.

 

         Não se cogitava do câmbio de 4 marchas para os carros de série, a redução elétrica dava mais ou menos a redução do 9:43

 

         Todos os carros de corrida tinham chapa mais fina, porque ele era muito pesado. Os freios não eram mexidos, mas alterávamos a regulagem da suspensão, usávamos óleo de rícino e tampávamos dois dos quatro furos da válvula interna. A gente prensava/encolhia as molas e fazia cinta de pneu na suspensão para limitar o curso do amortecedor.

 

         O Emi-Sul nas corridas não deu, todos quebraram o virabrequim, avisamos o Pasteur que não ia aguentar o rallye do Chaco. Na Argentina, a gente saía de Buenos Aires, corrida de uma semana, pra chegar na Patagônia, onde ia começar a pegar estrada de terra, eram 7/8 horas de pé em baixo, só retas. A Simca gastou uma puta grana, duas F-350 cheias de peças, quebraram os seis carros, pessoal da fábrica para pagar despesas e olhar as peças, ele queria promover o Emi-Sul. Foi depois que fizemos a modificação no virabrequim do Emi-Sul. O motor havia sido feito na França, acho que não era confiável, já estava crítico, não aguentava mais, colocar 150 cavalos em um motor de 3 mancais não dá , quebra mesmo.

 

         O bloco do Emi-Sul é rigorosamente igual ao Tufão, o comando também, o virabrequim, as bielas, tudo igual, só mudaram os pistons, cabeçotes, as válvulas que puseram por cima, os balancins, uma bosta de adaptação. As varetas, para lavar, é dureza, a água fica nas velas. Mesmo assim vendeu muito.

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